Imagens de Quinta: Demóstenes

Demóstenes Torres, paladino da moralidade na política. Defensor da Lei da Ficha Limpa. Vigário geral da ética diante dos escândalos de corrupção. O tarado das CPIs.

 

Demostenes

Gostava de tomar banho de cachoeira escondido. Foi flagrado.

Contravenção

 

A poesia é o inverso do homem.

Nasce rangendo, trincando, sofrendo;

Amadurece desenrugando;

Ágil, firme e despretensiosa.

A poesia torna-se plena;

Quando em choro melodioso;

Penetra em nosso ventre.

Saudações não habituais

 

Participei nos últimos dias da minha quarta eleição no movimento estudantil da USP. Ao final de todas elas tenho o hábito de cumprimentar as chapas adversárias e parabenizar todos os participantes da disputa política, especialmente os mais novos.

No entanto, esses dias de campanha me surpreenderam negativamente a ponto de não permitirem que eu faça as saudações da maneira habitual. Seria covardia da minha parte não explicitar meu sentimento de decepção com pessoas e setores pelos quais eu sempre nutri respeito.

A chapa “Não vou me adaptar” fez uma campanha pautada na necessidade de manter o Diretório Central dos Estudantes da USP livre e independente da reitoria. Com a atual conjuntura de ataques à democracia, fizemos um debate político franco sobre o autoritarismo do reitor, do governo do estado e a necessidade de combater a chapa aliada ao senso-comum individualista e despolitizado, a “Reação”. Desse enfrentamento recebemos o recado de milhares de estudantes: é necessário ampliar o movimento estudantil e democratizá-lo, aproximando do debate os cursos historicamente periféricos no embate político da universidade.

O movimento estudantil tem falhas e é necessário fazer esse balanço. Entretanto, numa conjuntura em que o reitor classifica publicamente apoiadores de um manifesto por democratização da universidade como “autoentitulados perseguidos da ditadura”, qualquer divisão dos setores democráticos joga água no moinho da desmobilização e enfraquece nosso instrumento de luta, que é justamente o movimento estudantil. Acredito que a chapa “Universidade em Movimento” cumpriu esse papel, ainda que veja como totalmente legítima sua participação na eleição.

Contudo, não é possível aceitar que uma chapa propositora de um movimento estudantil renovado, construído nas bases dos cursos com muito debate possa utilizar de práticas tão reconhecidamente perversas. Calúnias e mentiras num discurso mais preocupado em criticar ardilosamente o movimento estudantil do que atacar duramente o projeto privatista da reitoria. Fiz campanha em diversos cursos e ouvi os mais diversos descalabros. Sempre acreditei nas boas intenções daqueles que se dispõem a participar da política. Nessas eleições, essa minha firme concepção foi duramente abalada. As urnas revelarão se a universidade quer um movimento retrógrado ou propositivo.

Apesar disso, creio que o movimento estudantil saiu fortalecido. A participação na eleição deve ser a maior dos últimos anos. Mais do que um plebiscito em que os alunos são meramente um sim ou um não, tivemos uma aula de democracia. Teremos grandes desafios no próximo período. Tenho confiança de que as bases de uma grande mobilização democrática e transformadora estão sendo construídas. O movimento estudantil tem sim muitas falhas, mas uma de suas maiores qualidades é a dinâmica, capaz de contornar aqueles que estão na contramão da história para construir um futuro diferente. Viva a luta dos estudantes!

Alexandre Vannucchi Leme

De que lado, amigo?

O antigo, ironicamente, pede calma. Você, ironicamente, também.
O tirano arquiteta a destruição. Você alimenta a desconstrução.
O velho mundo quer silêncio. Você não quer discurso.
Os que reprimem reagem. Você desmente boatos.
O inimigo olha pra frente. Você olha pra trás.
Os de cima nos batem. Você me bate.

De que lado, amigo? De que lado você está?

Poema em branco

A página em branco.
Depois de fitada, mais parece espelho.
Tormento da incapacidade.
Alento da mediocridade.

A página em branco.
Que nos olha serena.
Penetra em nossa incapacidade e limitação.
Sufoca em nós o receio e a inquietação.

A página em branco.
Pode ser a morte.
Pode ser o início de uma nova sorte.

A página em branco.
Depois de parto em pranto;
Não está mais.

As múmias que se conformem

 

*Escrito originalmente para o juntos.org.br no dia 11/02/2012

mubarak statue in the sand

Nos últimos tempos temos nos deparado com inúmeras movimentações que levam milhares, milhões de pessoas às ruas. O dia de hoje é um símbolo do poder que essas manifestações adquiriram. Há 1 ano atrás, milhões de egípcios acampados na praça Tahrir comemoravam a queda do ditador Hosni Mubarak. Aquele episódio, que já havia sido protagonizado pela juventude da Tunísia, deu fôlego a muitas utopias e trouxe de volta a sensação de que a rua é o território dos indignados.

A situação do Egito mudou, mas está longe de ser a idealizada pelos jovens rebeldes que ousaram lutar por transformações. Uma junta militar governa o país e eleições estão marcadas para o mês de março. Pelo que tudo indica, a Irmandade Muçulmana, um dos poucos grupos políticos organizados no Egito, deve vencer com folga, assim como o fez no pleito parlamentar em que angariou quase 70% das cadeiras. A situação continua explosiva e os jovens parecem ter pouca paciência e muita disposição para aprofundar as mudanças com as quais tanto sonham.

A terra dos faraós inspirou milhões de mulheres e homens pelo mundo. Diante das crises e do desamparo por parte do “poder público”, a população começou a perceber que apenas unida é capaz de superar as adversidades. Tarefa difícil, principalmente numa realidade individualista e mercadológica em que você vale aquilo que você é capaz de consumir. A Grécia nos mostra como as negociações dos economistas de gabinete são indiferentes aos anseios e agruras de um povo sem futuro, mas também sem medo. Cortes de salários, pensões e aposentadorias. Desemprego. Povo às ruas.

Assim também é, em maior ou menor grau, na Espanha, Inglaterra, Portugal, Estados Unidos e, claro, Brasil. Apesar de vivermos uma situação de aparente prosperidade econômica, há sinais claros de que, também em nosso país, as ruas já não são mais vistas como território neutro. Os últimos 12 meses foram marcados por diversas manifestações. Muitos já ousam discordar da autoridade do cassetete. Também nos deparamos com os reais interesses dos governantes. Não tem posse legal da terra? Expulsa. Querem fazer greve? Prende. Protestam? Bate. Essa atitude, que não é casual e sim sistêmica, só alimenta a indignação e o fervor popular.

O que dizer, por exemplo, de uma greve de policiais nos dois principais pólos turísticos do carnaval brasileiro às vésperas da festa? Não é comum vermos os profissionais de farda cruzarem os braços. Os bombeiros cariocas já o fizeram a pouco tempo atrás, demonstrando que o descontentamento e a indignação também se infiltram nos quartéis. Um episódio como esse só faz aumentar o clima reivindicatório. Trabalhadoras e trabalhadores percebem que esse momento é de ação. Jovens saem às ruas contra a corrupção, por mais liberdade e democracia.

Essa efervescência do mundo parece estar longe do fim. Ainda há corpos sendo empilhados na Síria. A voz ainda está entalada na garganta dos russos. Muitas lágrimas ainda rolarão, mas podemos esperar cada vez mais vozes indignadas bradando por uma sociedade mais justa e igualitária. Temos motivos para acreditar que o 1% que explora e reprime terá cada vez mais dificuldade em conter os 99% que trabalham e se indignam. Quando a rua parece mais atrativa que nossos próprios lares é sinal de que os tempos são de mudança. As múmias que se conformem.

Rola a bola

 

2011 foi um ano ímpar em minha vida. Nunca tantas coisas aconteceram com tamanha intensidade em tão curto período de tempo. Foram diversas experiências que me ajudaram a amadurecer. Foi um período em que vivi e pensei. Disse e nem sempre fiz. Esse blog é sintoma disso. Um projeto cercado pelo turbilhão de emoções que foi o ano de 2011. Tentemos retomar o curso de nossas lunetas empoeiradas.
Tentarei abordar mais temas de uma maneira mais ágil e periódica. 2012 será um ano de acontecimentos importantes, como a cúpula Rio+20 e as eleições municipais, além dos muitos fatos e processos que farão a roda da história girar. Nesse período histórico ela gira cada vez mais rápido. Não me surpreenderei com o surgimento de novos protestos, novos escândalos, novas descobertas e situações que poderão, ironicamente, nos surpreender.
Limpemos as lentes, calibremos a criatividade e façamos com que 2012 seja mais um ano que não acabou…literalmente.

Baforadas

 

 

 

Um olhar é a ruína, a esperança, o alento, a dúvida, o motivo ou o início?

Sequências de dias ensolarados se perdem após uma tarde nublada?

Quando a presença torna-se inebriante e sufocante? E a ausência?

Tudo é conseqüência ou algo ainda pode ser visto como acaso?

Um sorriso tem valor quando se faz sob lábios de cólera?

A alvorada é o recomeço ou uma repetição torturante?

Os ponteiros do relógio são vetores que se anulam?

Ausência? A alegria é a ausência de tristeza?

O quebrar das ondas é o suicídio do mar?

Tragamo-nos ou somos tragados?

Vivemos ou somos vividos?

Baforadas de charuto.

Tudo é irrelevante.

 

 

 

A éguinha Pocotó: uma análise

´

Vou mandando um beijinho
Pra filhinha e pra vovó

 

 

O autor inicia sua obra fazendo alusão ao matriarcado. Percebam também o refinamento silábico das palavras “beijinho” e “filhinha”, logo complementadas pela suavidade do vocábulo “vovó”. A preeminência dos sons anasalados em “i” e “o” denotam as raízes africanas no caldo cultural da música carioca.
Notem a complexidade da mensagem e da refêrencia ao período das cruzadas medievais. O cavaleiro se despede de sua filha e de sua avó e parte para o combate em defesa dos ideais cristãos. Tais elementos do trovadorismo também estão presentes em diversas outras composições do gênero “funk”.

 

Só não posso esquecer
Da minha egüinha Pocotó

 

Aqui observamos o teocentrismo tomar forma. O cavaleiro é um servo de Deus e, humildemente, reconhece não possuir a perfeição terrena. Admitindo possuir problemas de memória, o bravo herói pode partir na empreitada sagrada.
O autor inova ao misturar os elementos do trovadorismo (é óbvia a semelhança com a cantiga da ribeirinha) com o arcadismo.  Referindo-se à montaria como “eguinha pocotó”, nosso impávido herói tece em torno de si uma aura bucólica e campestre. O barroco também se revela quando reparamos na contradição entre o homem que é forte e valente mas que também possui a sensibilidade de reconhecer seu alasão como “eguinha”. Talvez a combinação “minha (possessão e força) eguinha (amabilidade e mansidão)” seja a mais genial arquitetura estilística da arte escrita em toda a história ibero-tupiniquim.

 

Pocotó pocotó pocotó pocotó
Minha egüinha pocotó

 

O uso da assonância indica a jornada do cruzado rumo à Jerusalém. Essa repetição é utilizada brilhantemente como forma de expressão subjetiva da cavalgada e das intempéries presentes durante o longo trajeto. Essas dificuldades só são superadas graças a presença da “eguinha pocotó”, figura que remonta ao passado tranquilo do cavaleiro ao lado de sua família.

 

O jumento e o cavalinho
Eles nunca andam só

 

A figura do jumento é muito contraditória. Correntes da literatura afirmam que a presença desse ser mitológico é uma tentativa do autor em buscar uma ligação entre o terreno e o divino. Tal qual as égides e as tágides, o jumento possuiria a capacidade de levar mensagens celestiais ao cavaleiro cruzado, consolando-o e animando-o a seguir o caminho da defesa da doutrina cristã.

Essa interpretação é corroborada pela presença de outra figura mística: o cavalinho. Diferentemente do jumento, o cavalinho seria um delírio humano, criatura diabólica que surge na mente dos homens em momentos de privação e necessidade. Como sabemos, o cruzado passa por tormentas e momentos difíceis em sua viagem. O cavalinho viria para confundi-lo e desanimá-lo.

A sequência da empreitada se dá graças à congruência dessas duas figuras. “Eles nunca andam só” é a prova de que o cavaleiro possui fé genuina e por isso merece a recompensa celestial. Essas contradições presentes na sucessão mitológica fizeram com que Claude Lévi-Strauss considerasse essa obra como “o retângulo de ouro da construção mito-poética”. Lévi-Strauss escrevia o livro “A Éguinha Pocotó: As Mitológicas de uma Jornada” na ocasião de sua lamentável morte.

 

Quando sai pra passear
Levam a égua Pocotó

 

Esse é o momento em que o cruzado chega à Terra Santa. Reparem que a palavra “passear” é a primeira expressão positiva utilizada na obra. Aqui o autor relata como os demônios guardiões das tropas muçulmanas se distraem com a presença do jumento alado enviado por Deus, permitindo a entrada do impávido cristão no Reino dos Céus.
Podemos concluir que a égua Pocotó, na verdade, era um anjo protetor que testou a fé do cavaleiro durante toda a viagem e o recompensou com a eternidade.

 

Pocotó pocotó pocotó pocotó
Minha egüinha Pocotó

 

As últimas palavras são proferidas já sob as nuvens. O herói louva seu protetor por toda a eternidade e consagra a eguinha pocotó como guardiã dos cavaleiros da cristandade.
A sublime construção poética  e a eletrizante teia dramática fazem deste o poema marmorial da literatura de todos os tempos.

 

eguinha

Devaneios (parte 3)

 

“À questão ‘o que fazer?’, quase sempre só posso responder com certeza que ‘não sei’. Apenas posso tentar analisar rigorosamente o que existe. Nesse sentido, alguns me contestam: quando você pratica a crítica está também obrigado a dizer como fazer melhor. Para mim, isso é sem dúvida um preconceito burguês. Muitas vezes, na história, obras que buscavam objetivos puramente teóricos transformaram a consciência, e, consequentemente, também a realidade social.”

 

Theodor W. Adorno

 

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